Esportes

Livro Palmeiras x Corinthians

Historiador e professor Alfredo Oscar Salun acaba de lançar um livro sobre a história de Palmeiras e Corinthians em seus primórdios.

Denominado “Corinthians e Palestra Itália: Futebol em Terras Bandeirantes”, a obra retrata com riqueza de detalhes o início dessas duas agremiações e a sua trajetória na consolidação de sua popularidade.

Um trabalho de profunda pesquisa e metodológico, como é a marca dos trabalhos realizados pelo competentíssimo Salun. Confira a entrevista exclusiva concedida pelo autor:

Como surgiu a ideia de fazer uma obra sobre o Palestra Itália e o Corinthians? Por quê?

RESP: Inicialmente o objetivo era apenas abordar a historia da mudança de nome da Sociedade Esportiva Palmeiras, antigo Palestra Itália. No mestrado, havia estudado a Força Expedicionária Brasileira e sua atuação na Itália, utilizando documentos, jornais e história oral.  Quando pensei em um tema para o doutorado, resolvi continuar no mesmo tempo histórico (governo Vargas e a Segunda Guerra Mundial), então como palmeirense e amante do futebol, optei por unir o útil com o agradável. Por essa razão, achei que pesquisar sobre o processo de nacionalização do Palestra Itália, seria uma ótima solução, aproveitaria meu conhecimento sobre o período e ampliaria para aspectos esportivos.  Uma parte da pesquisa foi nos arquivos do DEOPS disponíveis no Arquivo do Estado, procurava informações sobre a nacionalização dos clubes paulistanos, e me deparei com o prontuário do Corinthians. Ele era maior que o do Palestra e do Germânia, fato que me chamou a atenção. Assim, tomei conhecimento sobre o afastamento do presidente espanhol Correcher em 1940/1941. Dessa forma, percebi que seria interessante em todos os sentidos, entrelaçar a história desses dois clubes, que tinham muito em comum, até aquele período.

A obra retrata a São Paulo do início do século XIX com um olhar romântico e riqueza de detalhes, muito além da esfera esportiva? Qual a contribuição desse ambiente efervescente influenciou na grandeza de Palestra e Corinthians?

RESP: A cidade de São Paulo até a metade do século XIX era muito provinciana. A expansão cafeeira no Estado, o processo de imigração e industrialização, colaboraram para uma profunda alteração do perfil da capital paulista. Em poucas décadas, teve um crescimento populacional enorme e passou por um procedimento de urbanização muito rápido. Em 1920, já era, junto com o Rio de janeiro, a metrópole mais dinâmica do Brasil. Entre 1910-1920, cerca de metade da população paulistana era formada por imigrantes ou seus descendentes, assim, italianos, espanhóis, portugueses, árabes, alemães, britânicos e outros grupos, conviviam com brasileiros natos, fossem brancos, negros, indígenas ou mestiços. Isso proporcionava um caldo cultural muito instigante, que acredito ter sido responsável pela formação de um tipo particular de futebolista, que agregava diversas influências. Como pude notar em pesquisas nos jornais de época (1910-1918) é possível perceber como a vida esportiva era um fenômeno mundial, e que atingia a capital paulista. Diversos trabalhos acadêmicos tem se debruçado sobre essa temática. O futebol, em tal contexto, se tornou por diversos motivos, um esporte altamente receptivo para os jovens, fosse ele oriundo da elite, classe média ou grupos populares. Incialmente os clubes paulistanos estavam ligados aos jovens de famílias tradicionais e de classe média (e imigrantes), entretanto, rapidamente surgiram clubes entre os operários e pequenos comerciários, difícil hoje apontar que motivos levaram a dissolução de uns e o sucesso de outros, com certeza, Palestra e Corinthians se tornaram clubes importantes nesse período, graças ás conquistas esportivas que atraiam simpatizantes/torcedores. Podemos dizer que era um circulo, quanto mais vitorioso era, aumentava o numero de torcedores e isso impulsionava seus dirigentes, a buscarem atletas competitivos e formarem esquadrões que pudessem obter grandes triunfos. Finalmente a constituição de uma praça de esportes, estádios e espaço para lazer, serviam para atrair associados, que enriqueciam ainda mais os clubes.

Qual a importância de Palestra e Corinthians na formação da identidade do paulistano?

RESP: Tem uma importância muito grande, não á toa, o livro “Brás, Bexiga e Barra Funda” de Antônio Alcântara Machado cita inúmeras vezes esses dois clubes e seus torcedores. Os jornais e revistas também exploravam a imagem deles para atrair leitores. Por ser um clube ligado aos italianos e seus descendentes, no caso do Palestra, e de espanhóis, portugueses, italianos e brasileiros natos em relação ao Corinthians, na grande maioria classe média e operários, foi natural que representassem um ideário paulistano. Isto é, os imigrantes eram parte essencial da formação de uma identidade paulistana, alguns bairros se tornariam com o tempo, locais celebrados e identificados como “cartões postais” da cidade. Lembremos que São Paulo era considerado uma cidade italiana e que esse grupo deixou fortes marcas: língua, costumes, culinária, festas religiosas, etc. Então vamos somar outros imigrantes ligados ao Corinthians, que também foram de suma importância no desenvolvimento da cidade, assim, aliados as questões de classe social, além do enriquecimento de alguns representantes de tais comunidades, era difícil que a popularidade deles, não se convertesse em parte do ethos.

Como você analisa essa paixão e rivalidade latente entre palestrinos e corintianos, desde os primórdios?

RESP: O futebol já estava despertando grandes paixões, podemos perceber isso nos inúmeros entreveros entre os clubes tradicionais, como Paulistano, Atlética Palmeiras, Americano, Mackenzie e o São Paulo AC. Os conflitos entre atletas e dirigentes, que incluía reclamações as arbitragens e contra os dirigentes da Liga paulista de Futebol, causavam grandes confusões. Em meu livro demonstro, por exemplo, que o rompimento da LPF e a criação da APSA estiveram muito mais relacionados com as disputas de poder e interesses financeiros dos dirigentes dos clubes tradicionais, do que o preconceito contra a introdução de operários nos jogos da liga. Portanto, a rivalidade entre Palestra e Corinthians, é parte dessa situação. É notório que foram os dois clubes populares que mais obtiveram sucesso na capital, mas não eram os únicos. Entretanto, o primeiro jogo entre eles, ocorreu somente quando tivemos a fusão da APSA com a LPF. O Corinthians já era um clube vitorioso em 1918, mas o Palestra, conseguiu ocupar com muita rapidez, um lugar de destaque. Tanto que o trio de ferro era o Paulistano, Palestra e Corinthians, que venceram a maioria dos campeonatos regionais. A rivalidade entre Palestra e Corinthians, era muito grande, entretanto, o Paulistano (e depois o São Paulo FC), era usualmente o rival de ambos, já que representava o “paulistano tradicional” e aqueles os “imigrantes”. É possível perceber que apesar das divergências, nos anos 1920 e 1930, usualmente os dois clubes estavam aliados nas disputas políticas.

Qual a maior dificuldade e também a maior curiosidade que você se deparou ao produzir a obra?

RESP: A maior dificuldade foi em relação a documentação, já que infelizmente o Brasil é um pais que tem muitos problemas com a preservação da memória. Claro, que nos últimos vinte anos isso mudou, mas nenhuma entidade esportiva em São Paulo tem um acervo digno de nota. Em relação ao Palmeiras parece existir arquivo um pouco mais consistente, mas com muita dificuldade para ser pesquisado. Dessa forma, contei com acervos familiares, isso é, filhos de antigos dirigentes que guardavam cópias de atas e outros documentos. Os jornais de época, também foram essenciais, muitas vezes para confrontar diversas versões, por isso, utilizar diferentes periódicos, também permitiu perceber como um assunto era retratado. Assim, o pesquisador ao selecionar um jornal, corre o risco de não perceber que esta selecionando também apenas uma única versão. Nesse ponto, podemos dizer como foi curioso analisar vários jornais, foram mais de vinte periódicos diferentes e como percebemos a parcialidade de alguns. Entretanto, talvez o fato mais instigante, foi acompanhar a “amizade” entre os dirigentes e torcedores do Corinthians e Palestra até por volta de 1943, quando o alviverde, era denominado de o clube mais popular do Brasil e apontado pela imprensa como o mais rico também. Claro, que havia rivalidades, mas no jogo em 1942 entre Palmeiras e São Paulo que definiu o campeão daquele ano, os torcedores italianos e espanhóis corintianos foram muito mais simpáticos a vitória do alviverde. Os dois acabaram sofrendo um processo de nacionalização em outubro de 1942 quando alguns associados foram obrigados a se licenciarem, por serem descendentes dos “súditos do Eixo”. Essa situação especifica, é pouco explorada na história dos clubes, já que mais de trezentos indivíduos foram impedidos em função da legislação nacionalista do Estado Novo, de continuarem como associados.

Conte um pouco do seu trabalho sobre memória esportiva?

RESP: Acho que o trabalho tem duas qualidades nesse contexto. A primeira consiste na utilização da história oral, pois entrevistei uma série de colaboradores como jornalistas, atletas, dirigentes (familiares) e outras personagens ligadas ao futebol. A íntegra das entrevistas está disponível na tese que pode ser encontrada digitalmente. A segunda questão são os jornais de época que contribuem para a ampliação do acervo referente a memoria esportiva.

Quem é Alfredo Oscar Salun?

RESP: Sou Doutor em História Social pela USP e Mestre pela PUC-SP. Professor do curso de História da Uninove e pesquisador do NEHO\USP e GEINT. Autor de diversos livros e artigos sobre História, Educação e Esportes.

Para quem deseja adquirir a obra acesse o site:

todasasmusas@gmail.com

ou  através do email: todasasmusas.org

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Capa do livro publicado por Alfredo Oscar Salun

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Um comentário sobre “Livro Palmeiras x Corinthians

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