É comum surgir, de tempos em tempos, a associação do povo de origem italiana a regimes totalitários e nefastos como o Fascismo, por exemplo, pela oralidade, desconhecimento ou má fé.
Casos como as hostilidades a torcedores do Cruzeiro Esporte Clube em clássico recente contra o rival Atlético, em Belo Horizonte, no dia 22 de outubro, e comumente as acusações aos adeptos da Sociedade Esportiva Palmeiras através de redes sociais, majoritariamente, por suas raízes italianas são os casos mais comuns dessa deformação odiosa no ambiente do futebol.
Particularmente em São Paulo, a partir de 1922 quando da implantação do regime fascista na Itália, clubes esportivos ligados ao Partido Nacional Fascista (PNF) militaram de maneira legal até o início dos anos 40 desenvolvendo as mais diversas modalidades, sendo filiados nas principais federações e confederações.
A principal características dessas instituições era de não serem clubes étnicos, mas sim ideológicos, utilizando o esporte na difusão de suas convicções e princípios.
O ambiente do período em São Paulo
A arte e os esportes no início dos anos 20 impactavam a população paulistana com o ideário fascista. Em 1923 os principais cinemas do centro de São Paulo, como Cine Avenida e Cine América exibiam o filme: Il Fascismo, com ampla difusão na cidade e no Brasil, por exemplo.
No contexto esportivo, é criado em 1923 a equipe de futebol “Benito Mussolini Futebol Clube” com sede no Largo São Francisco, no centro da cidade. A equipe militava na várzea paulistana e era comum anunciar desafios contra outras agremiações.
Em 1925 é fundado o Fascistas Futebol Clube, que fazia suas disputas no bairro da Mooca, também contra equipes varzeanas daquela região. Além do futebol, eles também possuíam uma equipe de atletismo, que em 1927 participou da prova de rua Travessia de Campinas, entre outros eventos.
Equipes esportivas como Giovani Italiani Littorio all’Estero, Giovani Fascisti, Balila e Avanguardisti eram outras instituições esportivas destinadas a ítalo-descendentes e intimamente ligadas ao ideário fascista no Brasil.
Essas associações não possuíam grande organização e sucumbiram da mesma forma que surgiram, sem grande alarde.
Na política brasileira, Getulio Vargas ascendia ao poder e manifestava publicamente a sua inspiração e influência no regime fascista italiano, tendo como base a “Carta del Lavoro”, entre outros elementos, para constituir a instituição do Estado Novo.
Surge a Opera Nazionale Dopolavoro
Entre as mais proeminentes entidades esportivas ligadas ao PNF, com profunda organização e amplitude, destaca-se a atuação da OND. Fundada em 11 de novembro de 1931 em São Paulo, sob a denominação de Sociedade Italiana Opera Nazionale Dopolavoro, com sede na Praça Almeida Junior, no centro da cidade, tinha como missão difundir as ideais nacionalistas/totalitárias a partir das seguintes premissas: a) difusão filodramatica e musical; b) cultura popular e ensino profissional; c) educação física, esportiva e recreativa; d) assistência de saúde, higiene e sanidade. Na Italia, a OND já atuava desde 1 de maio de 1925, como um braço do governo fascista.
A entidade era dividida em diversas seções. Em São Paulo, a OND possuía quatro sedes sociais: Central (Praça Almeida Junior), Bela Vista, Brás e Ipiranga. Com o sucesso na capital paulista, logo outras subsedes surgiram no interior da cidade e em outros estados. Os esportes praticados oficialmente pela OND eram futebol, basquete, ciclismo, boxe, tênis de mesa, esgrima e bocha. Seu uniforme era camisas azuis e brancas com a sigla OND.
Futebol e Ciclismo eram praticados em seu campo na rua Barão de Limeira. Basquete era praticado na quadra da entidade na rua Visconde do Rio Branco.
A OND foi filiada e aceita por todas as federações desportivas das modalidades que desenvolvia e participou oficialmente das principais competições promovidas no país durante todo o seu período de funcionamento e atividade, sob a égide das leis brasileiras.
Os fascistas no Campeonato Paulista de Futebol
Após sete anos militando em amistosos e festivais extra-oficiais, a OND se inscreveu para a disputa do Campeonato Paulista da Divisão Intermediária de 1938, promovido pela Liga de Football do Estado de São Paulo (LFESP), equivalente atualmente a Série A-2 do estadual.
Além da OND, disputaram a competição: Tramway da Cantareira, Corinthians de Santo André, Ordem e Progresso, União Vasco da Gama e Primeiro de Maio de Santo André. Jogos entre si, com turno e returno, previa o regulamento.
Como preparação, um encontro no mínimo inusitado nos tempos atuais. Em 7 de abril de 1938 a equipe da OND enfrentou os empregados do Gabinete de Investigações do DEOPS (Departamento de Ordem Política e Social) em jogo amistoso em um campo localizado na rua das Palmeiras, no bairro da Santa Cecilia.
Em 4 de setembro de 1938, no campo da rua João Theodoro 681, no bairro da Luz, foi realizado o Torneio Início do Campeonato Paulista da Divisão Intermediária, envolvendo todos os participantes. A equipe da OND não foi além da primeira fase.
Uma semana depois, a estreia no Campeonato Paulista da Divisão Intermediária, no dia 11 de setembro de 1938, na mesma praça esportiva. Diante do Tramway da Cantareira, os fascistas foram goleados pelo placar de 4 a 2 nos primeiros quadros e por 7 a 2 na preliminar envolvendo os segundos quadros das mesmas equipes.
Ao final da competição a OND terminou na última colocação, sendo superada por todos os demais adversários. Após essa experiência traumática em competições oficiais, a agremiação voltou a atuar no amadorismo.
Em 29 de janeiro de 1942, as atividades de mais de uma década da OND foram encerradas, com seu alvará de funcionamento cassado, por determinação do Ministério da Justiça Brasileiro.
Símbolos fascistas no esporte
Durante o regime fascista na Itália, equipes de futebol do país mudaram seus símbolos e introduziram elementos representativos daquela ideologia, como a águia e o fascio, por convicção ou determinação, a saber: Roma, Genoa, Milan, Internazionale, Lazio, Padova entre outros. Além da própria seleção nacional.
O complexo esportivo do Foro Itálico, inicialmente chamado de Foro Mussolini, inaugurado em 1932, em Roma, carregava em si a simbologia dos fascistas em monumentos e estética. Nele, entre outros espaços, está contemplado até os dias de hoje o Estádio Olímpico de Roma.
Aqui no Brasil, os clubes étnicos de origem italiana, em especial, o Palmeiras e o Cruzeiro, quando ainda se chamavam Palestra Italia jamais utilizaram qualquer simbologia em seus escudos e praças esportivas em alusão ao regime totalitário que comandou a península itálica por mais de duas décadas.
Por sua vez, clubes ideológicos como a OND, por exemplo, além da simbologia, utilizavam os mesmos métodos de controle, treinamento e comportamento da Opera Nazionale Balilla (ONB), que determinava regras padronizadas de conduta moral para a educação física da juventude.
O maior legado da estética fascista no esporte na cidade de São Paulo, sem dúvida alguma, é o projeto do estádio municipal Paulo Machado de Carvalho, o Pacaembu. O local foi projetado pelos arquitetos Ricardo Severo e Arnaldo Villares, durante o regime ditatorial de Getulio Vargas, e inaugurado em 1940 levando em conta o estilo art-déco. A entrada principal, com amplas colunatas, alude ao padrão empregado nas obras realizadas por Benito Mussolini, durante seu mandato.
Fascismo criminalizado
Em matéria publicada no portal da Câmara dos Deputados em 23 de fevereiro de 2023, sob o título: “Projeto torna crime o uso de símbolos e referências ao nazismo e ao fascismo”, da Agência Câmara de Notícias, traz um projeto de lei para a criminalização do fascismo.
De autoria do deputado Rubens Otoni (PT-GO) está em análise o Projeto de Lei 142/23 que torna crime fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propagandas que utilizem a cruz suástica ou quaisquer outras referências ao nazismo ou ao fascismo, traz o conteúdo.
“Inclui-se, também, a menção ao fascismo, doutrina claramente atentatória à liberdade e que deve ser combatida em um Estado Democrático de Direito”, conclui o autor.
Atualmente, a lei já prevê pena de 2 a 5 anos de reclusão e multa para referências ao nazismo, mas limita-se ao uso da suástica, sem punir outros símbolos.
A proposta é um anexo a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989 que diz “Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.”
A origem de um povo nunca será fator representativo de uma única tendência e pensamento ideológico. Fascismo é crime. Quem associa italianidade e suas instituições a uma corrente odiosa de pensamento comete um preconceito étnico previsto em lei contra uma comunidade que, como muitas outras, é plural e democrática em seus princípios fundamentais.
Em particular, no que tange a Sociedade Esportiva Palmeiras (e o Palestra Italia), não há qualquer registro em sua história de associação institucional a qualquer corrente ideológica ou partidária.
No Capítulo V, artigo 32, parágrafo V do Estatuto Social do Palmeiras há a seguinte menção: “Respeitar as autoridades dos poderes e órgãos administrativos, sendo-lhe defeso, dentro da SEP, qualquer manifestação de caráter político, religioso ou de discriminação”.
Alguns Livros indicados sobre o assunto em língua portuguesa:
No Gramado em que a Luta o Aguarda: Antifascismo e a Disputa Pela Democracia no Palmeiras.
Autor: Micael Zaramella
Editado: 2022
Corinthians e Palestra Itália: Futebol em Terras Bandeirantes
Autor: Alfredo Oscar Salun
Editado: 2015
A dança dos deuses: Futebol, Sociedade, Cultura:
Autor: Hilario Franco Junior
Editado: 2007
Vencer Ou Morrer. Futebol, Geopolítica E Identidade Nacional
Autor: Gilberto Agostino
Editado: 2002
Símbolos das equipes italianas durante o regime fascista
FORZA VERDÃO!!!!